Lamno: o povo de olhos azuis da Indonésia que descende de portugueses
Provavelmente nunca ouviu
falar dos Lamno, o povo de olhos azuis da Indonésia que descende de
portugueses. Em primeiro lugar, é importante explicar porque razão os Lamno têm
olhos azuis e são descendentes de portugueses, sendo que a cor azul não é a
mais comum em Portugal, excepto em algumas localidades do norte do país. Tem
tudo a ver com genética. Basta que 2 ou 3 dos marinheiros portugueses que
desembarcaram nestas paragens tivesse olhos azuis e o tempo, juntamente com
casamentos entre pessoas da mesma comunidade, para dar origem a uma população
inteira onde a cor azul dos olhos fosse predominante. Os portugueses da
província indonésia de Aceh, conhecidos localmente como “olhos azuis”, estão em
risco de se extinguirem desde que o tsunami de 2004 reduziu a comunidade de
centenas de pessoas a menos de uma dezena.
No sopé de uma colina, tal como Lisboa, o
bairro de pescadores em Lamno, localidade a cerca de 200 quilómetros de Banda
Aceh, na ilha da Samatra, onde residia a maioria da
comunidade dos portugueses de Aceh, tem apenas vestígios de uma ponte e de uma
habitação.
O antigo
mercado do peixe onde as centenas de pessoas do bairro português se abasteciam
é hoje uma mistura de areia e de excrementos de búfalo em frente ao mar.
Jamaluddin,
que se apresenta só com um nome, faz parte de um grupo de cerca de quatro
pessoas que ainda são conhecidos em Lamno como os portugueses de Aceh ou como
os “mata biru” (olhos azuis, em indonésio).
Jamaluddin tem 45 anos e o tsunami roubou-lhe uma filha e a esposa, também ela da comunidade de descendentes portugueses, cujos elementos costumavam casar entre si.
Jamaluddin tem 45 anos e o tsunami roubou-lhe uma filha e a esposa, também ela da comunidade de descendentes portugueses, cujos elementos costumavam casar entre si.
O indonésio,
que trabalha na plantação de pimenta e tem gado a seu cargo, voltou a casar,
desta feita com uma pessoa fora da comunidade de descendentes portugueses, e
vive num bairro construído pela Arábia Saudita, numa região cujo património é
hoje multicultural devido aos vários países que participaram na reconstrução de
Aceh.
“Os meus
filhos têm a pele muito branca, cabelo castanho e as pessoas chamam-lhes
“bule”, disse Jamaluddin, referindo-se a um termo local que significa “pessoa
branca” e que é comummente usado, sem qualquer conotação depreciativa, pelos
indonésios quando estão na presença de um caucasiano.
A comunidade
tem a histórica reputação de discrição e timidez e Jamaluddin e um dos seus
filhos, Rahmat Syah Putra, que falou com a Lusa, não são excepções.
Porém, tal
como no período antes do tsunami, em que as pessoas com olhos azuis, cabelo
louro e nariz pontiagudo eram o centro das atenções, também Jamaluddin tem
características que o distinguem dos demais homens de Aceh que vão para além da
cor da pele, tais como braços peludos e cabelo e olhos castanhos.
Rahmat Syah
Putra, de 20 anos, não usa o cabelo tão comprido como o do pai, mas segue-lhe o
gosto pelas camisolas sem mangas, algo pouco habitual na Indonésia.
Pai e filho
sabem apenas que têm ascendência portuguesa – embora frisem que se sentem
iguais aos outros habitantes de Aceh – e não seguem qualquer tradição
particular, dado que a comunidade dos “mata biru” integrou-se totalmente na
região, falando sobretudo o dialecto da província e professando a religião
muçulmana.
“O tsunami
mudou muito a minha personalidade, o meu comportamento, o meu carácter e muitas
outras coisas”, frisou o jovem, acrescentando que agora está “mais próximo de
Deus” e que o seu sonho é tornar-se num líder religioso.
Rahmat Syah
Putra, que encarou o tsunami não como um castigo, mas como um “teste”,
confessou que antes do desastre nem sempre rezava cinco vezes ao dia, como é
prática na religião muçulmana.
Os
portugueses foram os primeiros europeus a chegar à Indonésia, no início do
século XVI e, apesar de terem-se estabelecido sobretudo na região oriental do
país, alimentaram o sonho de controlar o comércio da pimenta desde a zona
estratégica do Norte da Samatra até ao mercado chinês.
Contudo, o período ficou marcado por animosidades
políticas e militares intercaladas com relações amistosas com os sultões de
Aceh antes da colonização holandesa, e os portugueses até ergueram uma igreja
numa região que é conhecida como a Meca do país com mais muçulmanos no mundo.
Nurdir Ar, antigo
director do Museu de Aceh, explicou à Lusa que, de acordo com o “costume e a
lei local” na altura, “um barco naufragado e os seus passageiros passavam a
pertencer ao sultão e, finalmente, tornavam-se achéns”.
Questionado sobre o porquê da designação de
“olhos azuis” associada aos portugueses, o também professor de filologia na
Universidade Islam Negeri, de Banda Aceh, respondeu que “talvez houvesse um
português ou outra pessoa a viajar no navio português”.
“Eu especulo
que dentro dos barcos eram todos homens e os homens portugueses casaram com
mulheres locais. Com o passar do tempo, estes portugueses converteram-se ao
Islão”, acrescentou.
Antes do
tsunami, a comunidade teria talvez cerca de 500 pessoas, referiu, advertindo,
contudo, que é difícil apontar um número, porque a região conta com
descendentes de outros europeus e árabes.
Aucun commentaire:
Enregistrer un commentaire